23 outubro 2009

Cabral chama de “vagabundos” os policiais que não socorreram coordenador do AfroReggae

Em entrevista exclusiva para ÉPOCA, o governador disse que quer o Rio de Janeiro livre de territórios ocupados por traficantes e milicianos em seis anos e para isso manterá a política de confronto.

RUTH DE AQUINO

Policiais que não socorreram Evandro João da Silva, o coordenador do AfroReggae morto por assaltantes, são uns “vagabundos” e serão expulsos da PM em rito sumário, disse o governador Sérgio Cabral, exclusivo para ÉPOCA. Cabral quer o Rio de Janeiro livre de territórios ocupados por traficantes e milicianos em seis anos e para isso manterá a política de confronto. Além de aprofundar o convênio com o governo federal para equipar melhor seus policiais, o governador insiste em unificar as Polícias Civil e Militar. “Ter duas polícias é uma esquizofrenia brasileira. Isso só existe aqui. É como a jabuticaba e a saúva”.

Tecnologia contra “vagabundos da PM”

“O que pretendemos fazer é manter uma lógica de combate e ao mesmo tempo conseguir grandes ganhos com a pacificação. Para pacificar, teremos de usar também muita tecnologia. Os vagabundos da PM que foram presos por não socorrer o coordenador do AfroReggae e roubar os objetos que estavam com os assaltantes – isso só aconteceu por conta da tecnologia, as câmeras instaladas na rua e no banco onde ocorreu o crime. Eles estão presos, serão expulsos da PM em rito sumário. Responderão criminalmente pelo que fizeram. Porque são bandidos, são marginais, criminosos. E temos vários outros policiais respondendo a processos, mesmo eu acreditando que a grande maioria tenha boa índole e queira ser reconhecida pela população”.

“Cheque em branco” para punir os maus policiais

“Na Colômbia, eu tive uma reunião com o chefe do estado-maior em março de 2007. Eles tinham cheque em branco para punir os maus policiais. Se vamos cometer injustiças nesse processo de limpeza? Possivelmente sim. Se a Maria acusa o policial de ter roubado uma bala no churrasquinho da esquina, então, ele estaria fora da corporação imediatamente. Mas o estado democrático nos impede de punir com a rapidez e o rigor necessários”.

Rio não é Ilha da Fantasia e o confronto vai continuar

“Eu não tinha nenhuma ilusão desde o início do governo quanto ao nível da gravidade da segurança pública do Rio de Janeiro. Tinha total consciência por mais que a gente se sobressalte com situações como a de sábado. Quando fui a Medellín e Bogotá me inspirei e daí vieram o PAC nas favelas e ações de pacificação. Esses sobressaltos nos angustiam mas não há outro caminho”.

“Claro que é preciso uma ação contundente da polícia. Os ‘pesquisadores’, que quando estou irritado chamo de ‘palpiteiros’, adoram criticar a ‘política de confronto do governador’. Mas vamos continuar a enfrentar. Temos mapeadas a cidade, as principais comunidades, os principais centros da organização criminosa. E eu disse isso aos membros do COI. Ninguém vendeu o Rio como ilha da fantasia, a gente só garantiu que tem know-how pra fazer eventos internacionais sem risco. Há uma série de investimentos visando a segurança e por isso costumamos ter zero de incidentes nesses eventos. É claro que se aumenta muito o policiamento. Quando o presidente Lula foi à reunião do G-20, comentou que nunca tinha visto Londres com tantos policiais nas ruas”.

Pacto pela imobilidade criou mundo paralelo

“Queremos é chegar a 2016 com uma situação boa de segurança pública não só para quem vem, mas para os nossos cidadãos. Queremos garantir a segurança antes, durante e depois dos Jogos. O meu sonho é que, daqui a seis anos, o Rio enfrente problemas de violência urbana comuns a grandes cidades como Paris, Nova York, Los Angeles, Chicago. Meu sonho é que o Rio em 2016 não tenha mais territórios ocupados. Por isso, é natural que se queira um olhar especial do país sobre nós. Não dá é para ter o tráfico de drogas e a milícia, tão ou mais maléfica que os bandidos, ocupando favelas do Rio e controlando o território. Durante muito tempo, tivemos no Rio governos que apostavam no pacto pela imobilidade, que gera algum conforto, pois convive com um mundo que cresce paralelo nos morros.

“Fizemos uma revolução silenciosa, que foi a despolitização da área de segurança publica. Gente que comandava com acordo de milícia. Que fazia política eleitoral com traficantes. Deputados nomeavam comandantes de batalhão, titulares de delegacia, essa era a rotina. A corporação sente que há uma nova mentalidade. Não tem acerto de 100%. Se não dá certo, a gente troca”.

Duas polícias é esquizofrenia brasileira

“A mudança da legislação brasileira tem de ser feita com muito mais profundidade. Existe uma idiossincrasia: temos nos 27 estados duas polícias. Uma para prevenção e ostensividade. E outra para investigação. Essa divisão entre as Polícias Civil e Militar é uma esquizofrenia que só existe aqui. Um produto genuinamente brasileiro, junto com a jabuticaba e a saúva. Não se pode deixar de discutir a unificação da polícia. Nossos comandantes têm essa visão de integração. Na Colômbia, existe a Força Nacional, que opera nas metrópoles e nas favelas, e que conquistou muita coisa depois de 15 anos de trabalho duro, com ajuda do governo federal. Lá, a estrutura de segurança é diferente: o Exército combate as Farc na selva”.

Policiais que trabalham na rua terão gratificação em dezembro

“Quando assumimos a PM do Rio já tinha cinco anos sem reajuste. A cada ano temos dado um reajuste a PM. E agora em dezembro vamos dar uma gratificação de R$ 350 para quem está nas ruas. Vamos pegar 3 mil policiais que estão fugindo do batente, em áreas meio, e vamos dar efetivamente mais 5%. Isso é o que dá para fazer, dentro de nossas limitações. Sabemos que o salário inicial, de R$ 970 , é baixo. Mas, se compararmos 2006 com 2010, há 66% de acréscimo real na folha de pagamentos dos policiais do Rio”.

Convênio com o governo federal vai se aprofundar

“Na quinta-feira que vem, o ministro Tarso Genro e o delegado Luiz Fernando, diretor da Policia Federal, virão almoçar com a gente no Rio. Não tenho o que falar do presidente Lula. Não houve um presidente que tivesse tanta atenção e preocupação com a questão da segurança no Rio. Os presidentes anteriores sempre se omitiram nesse tema. O governo federal dá uma bolsa-formação: 24 mil policiais no Rio ganham R$ 400 a mais no salário. E têm participação em cursos em internet. Mesmo assim, nosso encontro servirá para discutir como aprofundar o convênio com Brasília na questão da segurança”.

Creche na praça do tráfico, agora sem ‘terrorismo’

“Na Cidade de Deus fui inaugurar uma creche na praça chamada Caratê, que era o ponto central do tráfico. Uma creche com o padrão daquela de nossos filhos da zona sul do Rio. Uma criança chegou para mim e disse: “Governador, obrigado por nos livrar do terrorismo”. O cara da favela sabe o que a gente está fazendo. O Rio saiu de uma situação de letargia para ação. Isso enfraquece o tráfico, mas mexe na água parada, e o cheiro do esgoto fica mais forte por um tempo”.

Fonte:http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI100201-15228,00.html

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