03 dezembro 2009

Duas cabeças, uma sentença

Reforma do Código Penal prevê o “juiz das garantias”, um segundo magistrado para atuar em processos. Vista como polêmica por muitos, a proposta vai a plenário na semana que vem.

Defensor do projeto, Renato Casagrande acha um avanço dividir tarefas de investigação e sentença

A imparcialidade da Justiça é o principal argumento de senadores para incluir na reforma do Código de Processo Penal a inusitada figura do “juiz das garantias”.
A proposta — considerada utópica por especialistas — é uma das principais mudanças do atual texto, de 1941. A ideia é que haja dois magistrados nos processos: um responsável pela investigação policial e o outro, pela sentença. Principal alvo das críticas, a magistratura é contra. “O modelo atual não contamina o magistrado, não tira a imparcialidade dele”, diz o presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Mozart Valadares Pires.

Mesmo com uma defesa voraz dos parlamentares, a polêmica modificação tem poucas chances de sair do papel. Ela faz parte do Projeto de Lei nº 156/2009, que deve ser analisado pelo plenário do Senado na próxima semana. Levantamento da Consultoria Legislativa do Senado aponta que seriam necessários, no mínimo, mais mil juízes nos tribunais de Justiça. Em 21 estados, há pelo menos 1.150 comarcas com apenas um magistrado. O problema é mais grave no interior do país. “Isso criaria uma outra estrutura para atender à modificação legal. Seria quase inviável com o orçamento que se tem”, completa o presidente da AMB. Ele cita como exemplo cidades no interior de Pernambuco em que o mesmo juiz responde por duas comarcas distantes mais de 100 quilômetros. “E não é um caso isolado.”

O presidente da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), José Carlos Cosenzo, diz que a proposta fere a Constituição porque uma lei federal não pode tratar de mudanças nos estados. Além disso, ele teme que a proposta, aprovada, acabe se tornando uma lei que não vai pegar. “A ideia é excelente. Mas, na prática, é impossível. A criação de varas depende de orçamento e definição de outras questões”, afirma.

Contaminação
Em defesa do projeto, o senador Renato Casagrande (PSB-ES), cita, no relatório apresentado na última terça-feira, quatro depoimentos para legitimar a posição favorável à criação do outro magistrado. Entre eles, a de um defensor público que afirma que o juiz está psicologicamente contaminado para conduzir a instrução criminal depois de ter colhido provas, deferido prisões e mandado quebrar sigilo. “O juiz das garantias representa, sem dúvida, um ganho de qualidade no processo penal”, diz o texto do senador, reforçando que não se pode abrir mão da proposta de modernização do direito brasileiro, que já foi adotada na Itália, no Chile, nos EUA e no México.

Há divergências até mesmo no interior da comissão especial criada para analisar a reforma do Código de Processo Penal. O senador Demostenes Torres (DEM-GO), por exemplo, também considera que há “um problema logístico” para criar o chamado “juiz das garantias”. Na tentativa de minimizar as críticas, o próprio relatório reconhece os problemas, considerando a extensão do território nacional e os desequilíbrios de desenvolvimento regional.

Críticas mineiras



Luiz Ribeiro/EM/D.A Press - 11/5/05

Para o juiz Ademar Batista, a mudança é inaplicável

A criação dos juízes de garantia esbarra no fato de em muitas comarcas brasileiras existir apenas um juiz para acompanhar e julgar todos os processos. O relator do projeto estabelece prazo de até cinco anos para a criação de vagas nesses locais. Nas demais comarcas, o prazo será de dois anos. Mesmo assim, a proposta recebe críticas. “Essa mudança é inaplicável”, afirma o juiz Ademar Batista da Paixão, de Francisco Sá, município de 23,4 mil habitantes a 467 quilômetros de Belo Horizonte (MG). Lá, ele é o magistrado solitário.

Das 294 comarcas mineiras, 179 contam com um juiz. Atualmente, 90 delas estão sendo atendidas por juízes cooperadores, representantes de outras comarcas que auxiliam no trabalho semanalmente. Os números são do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, que ainda não se manifestou sobre a proposta dos juízes de garantia. Ademar acha que a mudança prevista na reformulação do processo penal é inviável por conta do número de magistrados hoje atuantes nos fóruns, muito aquém da quantidade necessária. “Hoje, em Minas, existem cerca de 870 juízes. Teriam que ser nomeados mais 800 para proporcionar a existência de no mínimo dois em todas as comarcas. Isso é inexequível”, afirma.

Além de Francisco Sá, ele responde pelo município de Capitão Enéas (13,9 mil habitantes). Nas mãos dele estão 3,5 mil processos. Francisco Sá sedia uma penitenciária de segurança máxima, que recebe presos de outras regiões mineiras, o que faz crescer as pilhas de processos no fórum local.

Firula

A proposta também é criticada pelo juiz Isaías Caldeira Veloso, da Segunda Vara Criminal de Montes Claros (MG). “É demagogia, firula, sem qualquer possibilidade de resultado prático. Trata-se de uma medida inócua. Além do mais, a Justiça não tem orçamento para isso”, afirma Caldeira. Ele diz que, atualmente, tem um acúmulo de 5 mil processos para despachar e aponta um equívoco na proposta de reformulação do processo penal. “Estão olhando somente as garantias de quem comete crimes, mas esquecendo o principal: a sociedade não suporta mais a impunidade”, considera.

Fonte:http://clippingmp.planejamento.gov.br/cadastros/noticias/2009/12/3/duas-cabecas-uma-sentenca

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