27 dezembro 2010

Policiais femininas – identidade e desafios

“Não se nasce mulher: torna-se” – Simone de Beauvoir

A história da mulher na PM é uma história recente, a primeira polícia brasileira que recepcionou uma mulher foi a de São Paulo, há 55 anos, entretanto, a primeira mulher a chegar ao posto de coronel foi no estado de Minas Gerais. A Bahia foi uma das últimas polícias a introduzir a mão de obra da Policial Feminina em seus quadros corporativos, tendo sua primeira turma em 1989, como praças – eram 27 sargentos e 78 soldados, que formaram a primeira tropa policial militar feminina da Bahia, instalada na Vila Militar dos Dendezeiros, denominada Companhia de Polícia Militar Feminina. Foi só em 1992 que ingressou a primeira turma de “Pfems” para compor o Curso de Formação de Oficiais.

O espírito belicoso que dirige as relações policiais militares, herança das forças armadas, enxerga uma incompatibilidade tácita da aptidão da policial feminina para a rotina de um “policial operacional”. Dessa premissa extraem-se dezenas de jargões altamente preconceituosos e machistas que representam o imaginário simbólico dos militares homens, em sua grande maioria. Essa visualização negativa reflete diretamente na construção da identidade da policial militar e cristaliza um preconceito deturpador, altamente ofensivo e antiproducente.


Os pilares advindos de uma formação militar tradicional visualizam na força física um suporte fundamental para demonstrar vocação para a profissão. A virtude de um policial, nesse sentido, seria medida pela sua capacidade de emprego da força bruta, tendência incompatível com a expectativa que é demandada pelo modelo de policiamento preconizado atualmente.

Os anos oitenta, quando se intensificou o ingresso das mulheres nas instituições policiais militares, são destacados por representar um período de crise, onde a identidade do policial estava sendo redimensionada – valores como inteligência e a capacidade para resolução de conflitos passaram a compor o perfil profissional do agente de segurança pública. O policial não se resumiria mais a um mero aplicador da força física. A imagem do PM truculento e dissociado da realidade não condiz com a demanda social advinda do processo de redemocratização pós-ditadura.

A mulher se alinha a essa tendência e apesar da resistência em ocupar um espaço freqüentado exclusivamente por homens, a sua chegada era inevitável. Os direitos civis que previam igualdade entre os sexos reivindicavam por poderes que foram cerceados historicamente. A ascensão da mulher é resultado de negociações e lutas, que se esforçam em alterar culturalmente a concepção que tende a hierarquizar as relações de gênero no contexto das relações sociais.

Contudo, na esfera da segurança pública, o processo não foi simples e nem revolucionário. As primeiras policiais femininas, ou Pfems como eram designadas, não foram empregas no policiamento operacional. Sendo aproveitadas em funções que pudessem dar visibilidade à sua presença na PM, sendo destacadas como “bibelôs” que salvaguardavam o caráter politicamente correto que ambiente enseja.

Entretanto, o processo de aceitação da mulher nos quartéis é fortemente posto à prova. As críticas, a auto-afirmação e a superação são diariamente testadas, é comum enfrentar comentários maldosos de colegas ou superiores hierárquicos que subestimam a nossa apropriação profissional.

As convicções impregnadas de machismos sempre tenderam a afastar a mulher de atividades que destoassem das atribuições de gênero que categorizam a sociedade tradicional, porém, o fomento das relações interpessoais e a ascensão dos direitos da mulher inserem esta em lugares historicamente ocupados por homens.

A aquisição de um efetivo composto pelo sexo supostamente frágil constitui uma exigência da modernidade, a despeito de ainda ser um processo lento e adverso. A irreversibilidade dessa conquista impõe uma responsabilidade imperiosa, que se justifica não com a negação da nossa feminilidade e nossa natureza “fisicamente inferior”, mas, combatendo com a sensibilidade e humanismo e não se deixando diminuir diante os ataques do passado que insistem em permanecer no presente.

*Luciana Prazeres é antropóloga e aluna a oficial da Polícia Militar da Bahia, atualmente cursando o 2º ano do Curso de Formação de Oficiais.


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